quinta-feira, 9 de junho de 2011

Pará: um Estado de encontros e culturas.


Pará: um Estado de encontros e culturas

ENTREVISTA

Qual é cara da cultura do Pará? O paraense tem um rosto ou uma identidade? Para responder a estes questionamentos, entre outros, relativos à formação cultural do Estado, o DOL convidou o professor da Universidade Federal do Pará, Fábio Castro, doutor em sociologia e pesquisador do programa de pós-graduação Comunicação, Cultura e Amazônia.

Em entrevista, o professor discutiu e criticou os conceitos de “povo” e “cultura” unificada, além defender o Pará como um local de encontros, de convergência de várias culturas e tolerante às diferenças. De acordo com Fábio Castro, o Pará continua com este papel de receber e absorver os mais diferentes grupos e por isso, deveria investir em políticas culturais mais eficazes.



DOL: Levando em consideração as diversas culturas presentes no Estado, podemos afirmar que o Pará possui “um povo”? Ou muitos povos unidos por uma organização sociopolítica?

FÁBIO CASTRO - É preciso evitar um conceito fechado de “povo” ou de “cultura, ou seja, um conceito que lembre raça, ou etnia. Esse tipo de conceito tem uma carga conservadora que em geral é problemática e gera três grandes problemas: 1) exclui as diferenças naturais da sociedade: o Outro, o “estrangeiro”, o “diferente”; 2) menospreza a importância do encontro e do diálogo com o diferente; e 3) reduz o valor da universalidade e da igualdade entre as pessoas e um discurso vazio. Considerando isso, a realidade – aliás, muito favorável – é que o Pará é um espaço de encontro. Sempre foi e deve continuar sendo uma terra aberta e tolerante para com a diferença. A organização política a que você se refere é precária. Falta presença do Estado e, também, organização social, ou seja, espaço público, sociedade civil organizada.

DOL: Sabemos que o Pará é conhecido nacionalmente, principalmente, pelas imagens e comportamentos ligados a Belém. Mas isto não quer dizer que todo o estado se comporte da mesma maneira. Quais os riscos e vantagens de moldar ou envelopar a identidade paraense numa única imagem?

FÁBIO CASTRO - A identidade rígida, fechada, protegida, sempre está fadada ao esgotamento, à morte. A cultura nunca deve ser “envelopada”, porque senão ela perde todo o sentido. Agora o que falta, realmente, é uma política cultural, no estado, capaz de apoiar o que seria uma economia da cultura paraense. Ou seja: um ou muitos arranjos produtivos que permitam que produções, manifestações e identidades localizadas possam ocupar mais epaço na cena nacional e mesmo internacional.

DOL: Que comportamentos culturais você percebe que as populações do Pará mantiveram como herança desde o período de colonização? Quais são os mais fortes?

FÁBIO CASTRO - Em geral, o senso comum associa a cultura com a produção artística; no máximo com modos de fazer e costumes. Porém, a verdade é a herança cultural que herdamos da colonização está centrada num processo profundo de violência. A violência física do passado prossegue como violência simbólica, hoje, alimentando guerras de interesse, práticas predatórias em relação ao meio ambiente e exclusões sociais. Essa ideia pode parecer pouco agradável a muitos, mas reconhecê-la ajuda a formar novos pactos sociais e construir a sociedade civil em novos termos, mais racionais e fraternos.

DOL: A imagem do rosto caboclo, da morena de traços indígenas ainda é forte no imaginário popular, mas seria a cara do povo paraense hoje? O povo paraense possui uma cara?

FÁBIO CASTRO - Possui muitas, mas toda cultura produz seus tipos emblemáticos. O próprio “cabloco”, por exemplo, tem muitos subtipos: o cabloco esperto e malicioso, o caboclo preguiçoso e tonto, o caboclo dissimulado e “sonso” etc. Esses tipos emblemáticos, que decorrem do imaginário popular, ganham relevo quando são apropriados pela cultura erudita ou pela cultura midiática, mas não se deve limitar a compreensão do “paraense” a um ou dois tipos. É importante permitir que a sociedade crie vários desses tipos, tantos quanto puder. Quanto mais múltipla e ativa for a invenção da identidade, mais saudável será a cultura.



DOL: Como você avalia o equilíbrio entre as diversas culturas do nosso Estado? Estamos em meio a um momento delicado relacionado à divisão do Pará. Isto seria o resultado de alguma desarmonia?

FÁBIO CASTRO - No mundo da cultura, o normal é o desequilíbrio – compreendendo o termo como embate de significações. O papel da cultura é embaralhar as cartas do jogo. Harmonia é sintoma de esgotamento. E há bastante desequilíbrio, graças a deus. A proposta de divisão do Pará nada tem a ver com isso. Ela resulta do oportunismo político de alguns indivíduos, que identificam identidade cultural com a má atuação e a precariedade do Estado em vários interiores e seduzem populações inteiras com promessas falsas e com o um falso problema: o que de os territórios secessionistas não são Pará.

DOL: Como o paraense pode definir a sua identidade?

FÁBIO CASTRO - Como quiser, desde que não se feche em estereótipos. O paraense não deve se pensar reduzido ao tipo do caboclo, mesmo porque o caboclo, por definição antropológica, é alguém que não se reconhece como tal. O paraense precisa se sentir livre para fabricar novas identidades: pode ser ciborgue, gaúcho, amazônida, “caboclo de estrada”, grão- paraense. Pode brincar de ser estrangeiro em sua própria terra e pode ser um pouco mais universal. A cultura contemporânea permite esse tipo de operação, numa dialética entre globalismos localizados e localismos globalizados. Esses dois processos estão presente no Pará e pensar nisso permite sermos contemporâneos do nosso presente e não mais idealistas do nosso passado.

*O professor Fábio Castro também mantém um blog que discute diversos temas ligados à sociologia, cultura e comunicação. Para acessar ao blog, basta acessar o endereço: http://hupomnemata.blogspot.com/ (Diego Andrade, DOL)

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