sexta-feira, 2 de novembro de 2012

VATICANO II: UM ANIVERSÁRIO DIFÍCIL

Vaticano II: um aniversário difícil

Para a Igreja, este aniversário do Concílio Vaticano II representa um momento nada fácil de se gerir. O Concílio, às vezes, parece pertencer a uma época muito diferente, tão diferente que o seu significado teológico e espiritual geralmente se revela difícil de ser transmitido e traduzido hoje às gerações jovens.

A opinião é de Massimo Faggioli, doutor em história da religião e professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, em Minneapolis-St. Paul, nos EUA. O artigo foi publicado no jornal Europa, 06-10-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o artigo.

O Vaticano II completa 50 anos, e na história dos concílios ecumênicos é um concílio ainda jovem. Mas alguns elementos-chave do Vaticano II já fazem parte da vida vivida de todos os católicos do mundo. O Concílio redefiniu o modo de ser Igreja, e o risco hoje é de dar por óbvias algumas importantes aquisições: um recurso mais direto e abundante à Bíblia no modo de fazer teologia; uma liturgia que se remete às fontes da revelação de Deus, mais do que à mística da impenetrabilidade da língua latina; uma abordagem ao mundo moderno que é mais dialógica e, finalmente, consciente da dimensão histórica da própria Igreja; uma maior compreensão da diversidade das Igrejas não católicas, das religiões não cristãs e das culturas do mundo globalizado.

Do ponto de vista teológico, o Vaticano II abraçou o princípio do 'ressourcement', ou seja, do recurso à grande tradição da Igreja (bem mais rica do que o magistério do último papa ou do último século) como referência para a catolicidade da teologia.

Do ponto de vista espiritual, a Igreja do Vaticano II acolheu o princípio da renovação como estímulo da comunidade eclesial para se formar na fidelidade ao Evangelho e não no apego a um determinado tipo de relações Estado-Igreja ou de modelos socioculturais.

Do ponto de vista institucional, a Igreja do Vaticano II começou a se reformar segundo uma nova eclesiologia que vê na Igreja uma comunhão antes do que uma instituição, um povo de Deus antes do que uma jurisdição. Nesse respeito, o Vaticano II despertou esperanças que foram parcialmente desiludidas: o caminho ecumênico entre a Igreja Católica e as outras Igrejas deu importantes frutos, mas agora parece ter chegado a um ponto firme; e o envolvimento dos leigos na vida da Igreja hoje parece não ser tão agradável ao clero como era há 20 ou 30 anos atrás; falar de reformas na Igreja hoje parece ser um tabu.

Do ponto de vista da vida da Igreja, a reviravolta teológica marcada pelo Vaticano II mudou alguns dados de fato dos quais será impossível voltar atrás. O papel dos leigos (especialmente nas Igrejas não italianas e não europeias) assumiu uma importância tal a ponto de ser crucial e insubstituível na vida dessas comunidades; o desenvolvimento dos "novos movimentos católicos" (como Santo Egídio, Focolares) foi muito além da "letra" do Concílio, trazendo legitimação do "espírito do Concílio" que existe e dos quais os pontífices do pós-Concílio foram intérpretes, cada um à sua maneira.

Do ponto de vista social e político, a constituição Gaudium et Spes e a declaração Dignitatis Humanae cortaram aqueles vínculos de identificação entre catolicismo e cultura europeia típicos da Idade Média e do início da Idade Moderna, e abriram uma nova era nas relações entre Igreja e culturas no mundo globalizado, e deu ao catolicismo uma nova credibilidade na sua obra de advogado dos direitos dos últimos da terra. O Vaticano II forneceu à Igreja a capacidade de recomeçar a anunciar o Evangelho em culturas e línguas diferentes das europeias.

Para a Igreja, este aniversário do Vaticano II representa um momento nada fácil de gerir. O Concílio, às vezes, parece pertencer a uma época muito diferente, tão diferente que o seu significado teológico e espiritual geralmente se revela difícil de ser transmitido e traduzido hoje às gerações jovens.

Com relação ao Concílio, Bento XVI tem uma relação muito mais difícil e complicada do que Paulo VI ou João Paulo II – senão por outras coisas, pelo fato de ter sido o primeiro papa da Igreja do Vaticano II que não foi padre conciliar.

Também por esse motivo, ainda não temos certeza de qual é o melhor modo de chamar a Igreja modelada pelo Concílio Vaticano II: "catolicismo conciliar" (como agrada ao vocabulário progressista), "Igreja-mundo" (como Karl Rahner a chamava), " Igreja pós-constantiniana"(nas palavras de Marie-Dominique Chenu). Não é somente uma questão de nomes. A recepção ainda está em andamento e está nas mãos dos católicos dos cinco continentes, muito mais do que em uma "sala de controle" da Igreja, que só existe nos desejos daqueles que substituíram a kremlinologia pela vaticanologia.

A Igreja Católica encontra-se hoje no mesmo ponto em que um preocupado cardeal Belarmino, em 1600-1601, escreveu ao Papa Clemente VIII que o Concílio de Trento (que havia concluído menos de 40 anos antes) havia sido um fracasso. Mas era só o fim de uma época e o início de uma nova.

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