terça-feira, 22 de novembro de 2011

"IGREJA SÓ SE RENOVA NA MISSÃO" D. CLAUDIO HUMMES.


22/11/2011 11.52.23

Dom Cláudio Hummes:"É preciso ter consciência de que a Igreja só se renova na missão"

Rio de Janeiro (RV) - O atual presidente da Comissão para a Amazônia, Dom Cláudio Hummes, esteve no Rio de Janeiro, na primeira quinzena de novembro, orientando duas turmas do clero arquidiocesano, em retiro espiritual. Na entrevista especial, concedida ao jornalista Carlos Moioli, ele falou de sua nova missão, e também de toda a riqueza de conhecimentos que experimentou na sua longa trajetória de serviço à Igreja. A sua vida, pautada pela simplicidade franciscana, é um testemunho de como ser discípulo missionário de Jesus Cristo, independente do lugar ou das circunstâncias.


Entrevista:

– O senhor vem exercendo um ministério fecundo à frente de várias realidades distintas. Já governou uma região operária industrial, a maior metrópole do Brasil, o clero do mundo inteiro, e agora tem pela frente o grande desafio de articular a evangelização na Amazônia, o “pulmão do planeta”. Conte um pouco dessa trajetória.

Dom Cláudio – Quando jovem padre, eu queria ser missionário na Amazônia. Logo no início, fui para Roma, para doutorar-me em Filosofia, em vista da falta de professores na congregação. E fui. Em todo o meu ministério, dentro do espírito franciscano, nunca fui de pedir para fazer isso ou aquilo. Em 1963, voltei ao Brasil, onde exerci por oito anos a função de professor no seminário da congregação e ainda na PUC de Porto Alegre.
Depois de dirigir a Província Franciscana dos Frades Menores no Rio Grande do Sul por quatro anos, fui eleito para a diocese paulista de Santo André, uma região operária e industrial. Era o ano de 1975, fim da ditadura militar, e o início das grandes greves, onde despontava a figura de Lula. Por apresentar propostas justas e democráticas, decidimos apoiar as greves, na expectativa da redemocratização do país, o que realmente aconteceu, culminando com a chegada de Lula à presidência. Foram 21 anos de grande aprendizagem, que me deram suporte para os desafios que estavam por vir.
Depois fui para Fortaleza e, em menos de dois anos, tive a oportunidade de conhecer a pobreza do Nordeste brasileiro e, por outro lado, de compartilhar as alegrias e esperanças de um povo amigo, acolhedor e muito religioso.
Transferido para São Paulo, para suceder a Dom Paulo Evaristo Arns, conheci de perto os desafios das favelas, dos moradores de rua, e de outros aspectos sociais onde nem sempre os direitos humanos são respeitados. Junto com a opção pelos pobres, muito foi feito no campo da evangelização. Também houve conquistas significativas, como o retorno ao ar da Rádio Nove de Julho, a conclusão das obras da Catedral e a construção de um seminário para a Teologia. Foi um tempo particular, que me fez compreender o que é a presença da Igreja numa grande metrópole, globalizada e conectada com o mundo.
No final de 2006, vem a nomeação para assumir a Congregação para o Clero, em Roma. Fui, apesar dos 72 anos. Era o desejo do Santo Padre. Foram tempos difíceis, com o surgimento na mídia dos casos de pedofilia, quando o Papa sofreu muito, mas assumiu a responsabilidade e tomou posições firmes para sanar o problema. Dentro desse panorama conflitante e doloroso, é lançado o Ano Sacerdotal, com resultados positivos, mais do que esperávamos. A Congregação para o Clero se empenhou não só com o incentivo de grandes eventos, mas para que o Ano Sacerdotal chegasse até as paróquias. Os relatórios que recebemos dão testemunho das maravilhas que aconteceram no mundo inteiro, fortalecendo a relação entre os padres e os fiéis. A expectativa para a conclusão do Ano Sacerdotal, no Vaticano, era a presença de pouco mais de três mil padres. Havia até a proposta de reunir os padres para concelebrarem com o Papa na parte de cima da Praça de São Pedro. Para a emoção do Papa e de todos nós, a vigília e a celebração contou com mais de 15 mil padres, de todos os continentes. Aos 76 anos, com minha missão concluída em Roma, decidi voltar para servir à Igreja no Brasil. Acolhido na Arquidiocese de São Paulo, recebi as faculdades de vigário geral para desempenhar trabalhos pastorais.
Por fim, veio a grande surpresa, quando a presidência da CNBB me confiou a direção da Comissão para a Amazônia. Aceitei com alegria o novo desafio, lembrando do desejo no frescor do meu ministério de ser missionário na Amazônia. Agora, no fim da vida, apesar da boa saúde e disposição, Deus me fazia cair no colo esse chamado. Estou muito interessado em dar minha contribuição à Amazônia por tudo o que ela representa, com o cuidado especial para que o Evangelho possa penetrar em suas entranhas.


– Agora, com a nova missão de dirigir a Comissão para a Amazônia, como o senhor vê o atual panorama da Amazônia, repleta de imensos desafios pastorais e sociais?

Dom Cláudio – A Amazônia é uma região muito especial não só para o Brasil e seus países vizinhos, mas considerada vital para o planeta. Por outro lado, ela é repleta de desafios. A grande pergunta é: Como desenvolver a Amazônia sem que ela seja destruída, mas que seja preservada com todas as suas características? O próprio país tem muitos interesses no seu desenvolvimento, mas não podemos esquecer que a região, além de sua riqueza natural, abriga povos seculares, como é o caso dos indígenas. É preciso muita discussão quando se pensa na implantação de novos projetos, como é o caso das hidrelétricas. Por sua vez, a Igreja está inserida neste contexto todo, preocupada com a evangelização do povo, em promover a justiça social, os direitos e a dignidade humana. Também, a de preservar a cultura a partir da realidade, sem impor um progresso que não convém, que não está dentro de sua história. Deve ser uma evangelização explicita, mas inculturada, pautada pelo diálogo inter-religioso. Os povos indígenas não têm nada por escrito, mas seus costumes são preservados, transmitidos entre gerações.


– Como está a articulação da proposta para a formação pastoral missionária dos futuros presbíteros? Como ela surgiu? Quais são os seus objetivos e perspectivas?

Dom Cláudio – O Santo Padre está empenhado na proposta de uma nova evangelização, urgente e universal. Uma evangelização de sair, buscar, de ir até as pessoas, onde vivem, estudam e trabalham, como fez e pediu Jesus: “Ide e fazei discípulos meus todos os povos”. A princípio, o Papa pensa na Europa, que vive uma situação dramática de descristianização. Para a América Latina e, particularmente para o Brasil, a referência é o avanço das Igrejas Pentecostais, que estão arrebanhando um número significativo de católicos. Por quê? Seria a falta de evangelização? Sabemos que é urgente a necessidade de ir ao encontro dos batizados que não receberam uma evangelização suficiente, com qualidade.
A proposta dos bispos responsáveis pela dimensão missionária, incluindo a Comissão para a Amazônia, é a de intensificar a formação missionária dos vocacionados já no tempo do seminário. A proposta é dar centralidade à formação missionária de uma forma integral, ser uma consciência, uma prática, e que faça parte da espiritualidade. Um trabalho que não se restringe só aos seminaristas, mas que deve ser feito a partir do clero já existente. Nossos seminaristas normalmente são formados para desempenhar a função de pároco, de pastor de uma comunidade já constituída. Quando, na verdade, deveriam ser preparados para ser o primeiro, o animador, junto com as forças vivas da paróquia, de sair ao encontro das pessoas que não participam da vida eclesial. Não devemos conservar apenas o rebanho, as comunidades existentes. A Igreja não existe para si mesma, mas para a missão. Sabemos que quando uma comunidade cuida de si mesma, é porque alguma coisa não está bem. É equivocada a opinião de que primeiro deve melhorar e qualificar a própria comunidade. Ela só vai encontrar a perfeição na medida em que se abre para as necessidades dos outros. Aí sim, verdadeiramente, ela exercerá o papel de discípula missionária de Jesus Cristo. É preciso ter consciência de que a Igreja só se renova na missão.


– O que as dioceses brasileiras poderiam fazer concretamente para que a Igreja na Amazônia pudesse ter uma sustentabilidade pastoral?

Dom Cláudio – A sustentabilidade pastoral na Amazônia pode acontecer quando houver um aprofundamento da consciência missionária do clero já existente e também dos seminaristas em formação. É muito importante e necessário o envio de missionários por um tempo determinado, por parte das dioceses. Quando falamos em missionários, estamos nos referindo aos padres, religiosas, consagrados e também aos agentes de pastorais. O melhor caminho é quando os missionários são enviados pelo bispo em nome da Igreja, da diocese, evitando sempre que possível quem se apresenta apenas por projeto pessoal. Em geral, as dioceses e prelazias da Amazônia passam por dificuldades, e não possuem condições de manter missionários. Assim, as dioceses que enviarem missionários, também devem sustentar a permanência. Quando possível, também enviar recursos para que as dioceses e prelazias possam constituir a infraestrutura necessária para melhor servir o povo de Deus e desempenhar bem a missão na Amazônia.


– Qual é a reflexão a que o Senhor está direcionando os padres da Arquidiocese do Rio de Janeiro, que estão fazendo o retiro anual?

Dom Cláudio – O enfoque central é no sentido de ajudar os padres a aprofundarem o conhecimento dessa nova sociedade na qual todos nós estamos inseridos. O Santo Padre fala muito na cultura do relativismo, que acaba influenciando nosso modo de pensar, de agir, de ser. Dentro da cultura moderna dominante, podemos dizer que no Brasil existe a particularidade de uma multi-cultura. Neste contexto, se faz necessário refletir quais são os elementos e metodologia que devem ser usados para que a evangelização seja mais eficaz.
Outro ponto que estou refletindo é sobre a espiritualidade do padre. A sociedade e a cultura não são mais tão católicas. A figura do padre nem sempre é apoiada na própria sociedade pós-moderna, que quer ser laica, sem vínculos com a religiosidade. Como pastor de almas, o padre precisa ter conteúdo, raízes firmes, coragem e alegria para o anúncio do Evangelho. Afinal, cabe a ele evangelizar a partir das bases, inserido no contexto de uma comunidade paroquial, para que o Evangelho possa penetrar e ser permeado por toda a sociedade.
Por fim, sobre a urgência da missão, o empenho por uma nova evangelização. A missão deve ser uma prática, uma consciência, que deve fazer parte da vida e da vocação do padre.


– À luz da reflexão que o Santo Padre fez do Salmo 119, na audiência geral do dia 9 de novembro, como a Igreja convida e trabalha à “escolha livre” dos vocacionados ao celibato, como um chamamento à devoção completa pelo Senhor e o seu reino.

Dom Cláudio – O celibato faz parte da vocação sacerdotal, uma exigência da Igreja latina. Visivelmente ela é uma norma canônica, faz parte do Direito Canônico, mas ele é mais que tudo isso, é um carisma, um dom do Espírito Santo. O celibato é sim uma escolha livre, que o vocacionado deve ir discernindo a partir da pastoral vocacional, e escolher outros caminhos caso perceba que não tem esse dom. A Igreja acentua que esse carisma se identifica de modo particular com Jesus Cristo, com sua maneira de viver e de ser, que não se casou, era celibatário. O celibato deixa o padre mais disponível, não precisando se preocupar com uma família. O seu amor vai ser para toda a comunidade, pela humanidade, um amor universal. O padre precisa cultivar o amor, que faz parte da felicidade e da realização humana, mas um amor pautado pela doação, pelo serviço. O celibato também é sinal do reino futuro. Por meio dele, o padre é um sinal do que vai ser, de fato, na ressurreição. Não podemos imaginar como será, mas Jesus nos ensina que tudo vai ser transformado, tanto a humanidade, como a criação.(SP)

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