domingo, 8 de janeiro de 2012

GARÇOM TAMBÉM VIRA PSICÓLOGO NA MADRUGADA DE BELÉM.


Garçom também vira psicólogo na madrugada de Belém
Domingo, 08/01/2012, 07:45:47

Enquanto alguns partiam para o primeiro trabalho, outros olhavam, a cada momento de descanso, o relógio. Era o caso do garçom Raimundo dos Anjos, o Rai, personagem tão tradicional quanto o próprio estabelecimento no qual trabalha, o Bar do Parque. Referência no meio da boemia belenense o espaço ainda guarda a estrutura de séculos passados, mas já sente a modernidade alterar também o funcionamento de outrora. “Antes não havia tantos bares que funcionassem de madrugada, aí todo mundo vinha pra cá. Agora, além disso, as pessoas também se incomodam com os pedintes e ficam com um pouco de medo de assalto nas redondezas”, diz. Menos turistas, menos consumidores, mais tempo para ouvir as narrativas fantásticas de cada um.

“Garçom é meio psicólogo. Tem camarada que vem sozinho e em cada cerveja que pede conta um caso da sua vida. É tanto desabafo que se a gente deixar não atende mais ninguém e fica só aconselhando”, diz. Mas mesmo os seus 20 anos de experiência no local ainda não o impediram de perceber o lado contraditório de tudo isso. “A praça foi revitalizada, está bonita, cheia de enfeites, mas as pessoas que moram nela continuam passando as mesmas necessidades. É impossível não se emocionar com mães que carregam filhos pequenos no colo e passam a noite em busca do que comer”, diz. De fato, olhares vagos, em corpos abandonados, circulavam pelo espaço numa busca perdida, seguindo as luzes dos túneis de mangueiras, um dos cartões postais de Belém. E nessa caminhada, as vidas perdidas passavam ao lado de existências já encerradas.

No cemitério da Soledade, no bairro de Batista Campos, a impressão é de vazio. Os barulhos de algumas aves e dos poucos carros que às 4h passavam por ali escondiam, na verdade, a atuação dos zeladores Iran Silva e Cristóvão Lima. Os dois gastam as madrugadas cuidando de um espaço temido por muitas pessoas mesmo sob a luz do dia, mas garantem: o maior medo é dos vivos que desrespeitam o local. Desconfiados, eles vão aos poucos perdendo o receio, baixam o facão (único instrumento de repressão que utilizam) e começam a contar as invasões que já ocorreram no cemitério - e ainda são frequentes, principalmente na madrugada dos finais de semana. “Existe um grupo, os góticos, que gostam de vir destruir o patrimônio público. Eles pulam o muro, usam drogas, roubam objetos, fazem sexo e às vezes ainda montam rituais satânicos”, diz Iran. Quando percebem o movimento ainda no início, ele e Cristóvão partem com o cachorro para espantar os invasores, mas em alguns casos eles são tantos que os zeladores ficam impotentes.

“Também já vieram ladrões armados e aí a gente não pode fazer nada. Só rezar para que a noite acabe logo e eles vão embora”, comenta Cristóvão. Entre as cenas horripilantes e os sustos iminentes, o que ele sente mais falta é da tranquilidade que a noite já representou. “Acho que a insegurança tira parte do charme de Belém na madrugada. Andar pelas ruas, bater papo com os amigos, curtir o clima mais ameno são coisas simples que ficaram perigosas de fazer”, diz.

(Diário do Pará)

Nenhum comentário:

Postar um comentário