domingo, 8 de janeiro de 2012

ESSA OUTRA BELÉM QUE POVOA AS MADRUGADAS.


Essa outra Belém que povoa as madrugadas
Domingo, 08/01/2012, 07:38:13

Uma atmosfera diferenciada encobre a Belém noturna. Sai o ritmo alucinante, o embate de multidões, para dar lugar a uma cidade de detalhes. As luzes amareladas substituem o sol quente da manhã iluminando apenas os pontos essenciais. Sombras, penumbras e a total escuridão se dividem no clima revelador da madrugada. Os sons mudam de frequência. Em vez do trânsito alucinado, milhares de vozes misturadas e passos rápidos, vêm os murmurinhos. Os olhares mais direcionados, o sentimento de identificação com um espaço que parece ser apenas seu. Para quem optou por viver a rotina das primeiras horas do dia, Belém é um cenário de mistério e prazer.

“Trabalhar à noite não é pra qualquer um. Tem que ter coragem, atenção e gostar um pouco da solidão”.

Rodando apenas quando já não há sol, o taxista Antonio Almeida criou estratégias para resistir às artimanhas do horário. Se de dia o trânsito sufoca, de noite a sensação de independência de alguns condutores faz das vias um reduto fatal. “Não paro em sinais vermelhos. Sei os pontos onde acontecem mais acidentes e tento circular em locais mais seguros”, comenta. Mas foi justamente no momento em que as pessoas se sentem mais vulneráveis que Almeida conquistou sua admiração. “Tenho clientes que ligam para a cooperativa me requisitando, pois já criamos uma relação de confiança. Tem pessoas que a gente acompanhou crescer, sabe as histórias, vê as mudanças. É o lado bom de fazer um serviço quando menos se arriscam”, explica.

Conhecendo como poucos Belém, ele ainda encontra tempo para se encantar diariamente com a avenida Visconde de Souza Franco, a Doca, seus símbolos e passageiros. “Acho uma das partes mais bonitas da cidade, especialmente assim, deserta. É um prazer impagável trabalhar aqui”, diz.

Deixando a larga avenida e tomando uma de suas transversais, as ofertas mudam de forma. Ali a vez é dos corpos captarem olhares de desejo e se exibirem de um jeito que só a discrição noturna possibilita. À 1h da manhã, B. caminha esguia pela avenida 28 de Setembro. Após alguns segundos de análise, ela escolhe o ponto onde a visibilidade e acesso parecem estar ideais. “Esse é o nosso melhor horário porque é quando a procura é maior. Os clientes saem dos bares. Alguns já são conhecidos, marcam horário. Mas todo dia tem alguém se aventurando pela primeira vez”, conta. O travesti de apenas 18 anos mantém há dois a rotina da prostituição no centro de Belém, onde estabeleceu um trato de sobrevivência. “Nos carros a gente acaba rodando todos os bairros, até os mais afastados. O risco acontece sempre, porque nunca temos a certeza de que iremos retornar. Mas eu tento aproveitar todas as descobertas, as histórias de cada um”, ameniza.

Do centro à periferia, algumas histórias tristes se repetem. Brigas, maus-tratos, preconceito. Mas Bruna controla a sobriedade com o apoio de outros que também vivem o mesmo ambiente. “Se você não fizer amizade está perdido. Ninguém sobrevive sozinho à noite. Crio laços de amizades com os clientes, troco confidências com eles, e sou sempre educada com todos, inclusive policiais”, explicava até ser interrompida por um homem num carro preto. A noite começava.

(Diário do Pará)

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