sexta-feira, 23 de março de 2012

O "DEMÔNIO" NA HISTERIA.


O “DEMONÍACO” NA HISTERIA

Vanuza Monteiro Campos

A histeria constitui o ponto de referência da psicanálise, o ponto de origem da teoria, a partir do qual vêm construir-se as grandes linhas do modelo geral do funcionamento psíquico. Este trabalho objetiva resgatar a riqueza desta questão, considerando seu valor para uma melhor compreensão de temas que vêm sendo objeto de reflexão no cenário psicanalítico contemporâneo. Entretanto, esse estudo deve levar em conta a evolução do próprio pensamento de Freud bem como as contribuições de outros autores. Durante décadas Freud foi aprimorando e aperfeiçoando o seu modelo teórico, reformulando-o e nele introduzindo novos conceitos, fomentando, nesse processo, contradições e brechas que comportam significativo material de análise.

Sabemos que a histeria já era pensada antes de Freud: podemos remontar a Hipócrates, preocupado com essa questão no século IV a.C. A originalidade da leitura freudiana emergiu em um contexto histórico que propiciou um novo olhar sobre essa afecção no panorama médico europeu, no final do século XIX, quando a histeria era uma patologia que a medicina empenhava-se em tratar. Até então, a imagem que a histeria retratava era a de uma doença multiforme e disfarçada, com sintomatologia polimorfa, imprevisível, suscetível de afetar as mais diversas partes do corpo e da alma.

Esse quadro clínico sempre escapou às nosografias existentes, transitando durante séculos, entre as mais diversas searas: filosofia, medicina, religião. Historicamente, a histeria passou do âmbito da religião para o da medicina, impregnando-a, de certa maneira, por resquícios dessa visão. É nesse cenário que a psicanálise surgirá.

No decorrer da história, a histeria sempre representou um mistério, um desafio, um enigma a ser decifrado, em função de seus sintomas multiformes, da labilidade de humor que apresenta, pelo caráter espetacular de seus ataques e, particularmente, pela eleição do corpo como lugar de conversão.

Do ponto de vista da psicanálise, a histeria traz, classicamente, a representação de um corpo–escritura, sendo o corpo histérico erotizado e significado pelo conflito sexual, corpo de manifestações fantásticas e misteriosas como as que se observa no ataque histérico. Este é o fenômeno que mais chama a atenção por seu caráter disruptivo, imprevisível e assustador. De acordo com a conjuntura sócio-histórica, esses fenômenos vão ganhar novas significações. Até aceder ao domínio da medicina, outros saberes se dedicam à investigação desse quadro, tendo a compreensão da histeria transitado desde a idéia de possessão demoníaca até a de patologia, segundo as mais diversas interpretações.

Na Renascença, assistimos à fusão da medicina com a teologia, em um “confronto no qual a histeria será o teatro”.[i] Nesse terreno confuso, a histeria aparece como emanando de uma possessão diabólica apelando, para a sua “cura”, à figura do exorcista e do médico diante, seja da presença de um demônio possessor, seja de um quadro patológico

Na Idade Média, os médicos eram chamados para proceder a caça às bruxas, sendo encarregados de distinguir com precisão os fenômenos manifestados pelas “possuídas”, devendo traçar um diagnóstico diferencial entre uma doença conhecida, uma simulação ou um caso de possessão demoníaca. Frente às “contorções extraordinárias”, presenciadas nos exorcismos, evocavam-se diagnósticos tanto de epilepsia quanto de histeria ou de possessão.

Não nos surpreende, pois, que encontremos em Freud, anos mais tarde, a presença dessa herança renascentista através das menções que faz ao fenômeno das possessões demoníacas, relacionando-as, de certa forma, à histeria. Vemos, dentro do campo da psicanálise, todo um imaginário cultural que associava histeria à bruxaria, ao “demoníaco”.

Vale ressaltar as pontuações do próprio Freud, extremamente interessado no tema – conforme o expressa a sua correspondência com Wilhelm Fliess[ii] – ao elogiar uma coletânea onde Moebius analisa psicologicamente a psique das bruxas[iii]. Freud também menciona o Malleus maleficarum ou “Martelo das bruxas”, um manual de identificação das bruxas, publicado em 1487 e redigido pelo inquisidor Jacob Sprenger, com a ajuda de seu colaborador Heinrich Kramer.

A partir de uma visão teológica, o livro descreve casos de bruxaria, onde se acreditava que o diabo e seus afins viviam alojados em partes do corpo da bruxa, vivendo com ela em simbiose, ou então guardados em frascos e garrafas. A bruxa teria sido vítima de uma tentação diabólica, a idéia da possessão demoníaca advindo de um pacto demoníaco[iv], onde o sedutor Diabo tentaria o sujeito oferecendo dons especiais, vantagens materiais ou sucesso no amor. Em troca, este oferecia sua alma, em um contrato firmado, podendo tanto ser verbal, como escrito e assinado com o sangue daquele que entregava sua alma. É essa representação de “bruxa possuída” que possibilita algumas aproximações com a figura da histeria.

A medicina do final do século XIX veio a positivar a histeria, concedendo-lhe o estatuto de patologia, com nosografia e tratamento específicos.[v] Freud foi discípulo de Charcot, um dos responsáveis pela “dessacralização” da histeria ocorrida no final do século XIX. Este médico identifica nesta uma síndrome clínica específica, digna de atenção, tendo, inclusive, mostrado que os casos de possessão, as convulsões, estigmas, anestesias, etc., eram inteiramente análogos às síndromes de seus pacientes psiquiátricos.

Num primeiro momento, a histeria foi concebida por Freud como resultando de uma experiência sexual passiva, traumática, marca de um “corpo estranho” no sujeito. Sabemos que aqui o traumático já estava bastante articulado a questões econômicas, sendo o trauma entendido como decorrente de uma incapacidade do aparelho psíquico de lidar com quantidades excessivas de energia libidinal. A etiologia da histeria era, então, pensada como de natureza traumática, devido ao prematuro encontro com o sexual.

A figura do sedutor é bastante presente nesse momento da teoria freudiana, pois essa vivência passiva sexual seria oriunda de uma sedução vivida pela criança, por parte de um adulto sedutor perverso. Como sabemos, Freud abandonará posteriormente a sua “teoria da sedução”. E, a partir desse momento, colocará no centro de sua teoria a noção de fantasia, possibilitando a emergência, no seu modelo, da sexualidade infantil.

Mas alguns resquícios da arcaica e superada idéia de possessão demoníaca permanecerão presentes, re-significados, na teoria da histeria, através da idéia de sujeição, de passividade frente a um corpo estranho interno, excessivo, que invade e domina o sujeito, demandando ser extirpado.

As noções de passividade, de sexual, e de traumático, podem ganhar nova compreensão ao percebermos, na problemática da histeria, a presença “subterrânea” dessa dimensão de “possessão”. Como não se lembrar do diabólico, “tentando” as bruxas, quando imaginamos as histéricas, com suas espetaculares manifestações sexuais, sendo “tentadas”, ou seja, passivas frente a algo “estrangeiro” que as possui, a partir do interior?

Nessa linha de raciocínio, os famosos ataques histéricos despertam especial interesse. Não poderiam eles ser pensados a partir dessa dimensão de “possessão”, agora entendida como invasão pulsional, de intensidade “demoníaca”, de algo estrangeiro? Algumas descrições desses ataques na literatura psicanalítica permitem-nos questionar a clássica compreensão do ataque histérico como sintoma, como solução de compromisso. O ataque histérico, o “turbilhão convulsionário exibido pela histeria”[vi] como manifestação, parece sinalizar a necessidade de exorcizar nesse corpo algo irrepresentável, algo da ordem de uma “possessão”.

Vale sublinhar que Freud postula, na histeria, a existência de uma alteridade que não se representa, marca convertida no corpo de um ataque do "outro", corpo estranho interno. Há, segundo essa perspectiva, uma preocupação de Freud com esse outro “invasor”, visão cujo fio condutor é esta alteridade que procuramos aqui destacar.

O “estranho” ao qual Freud aqui se refere é a sexualidade, marca da originalidade da concepção freudiana sobre a etiologia das neuroses. Desde o início de sua teorização sobre a histeria, Freud vai explorar o que desse sexual vai escapar à significação, ao domínio do sujeito.

Trata-se, aqui, de resgatar as idéias presentes nos primórdios da psicanálise através de uma releitura que faz uso de noções-chave que julgamos terem sido também recolocadas em cena por Freud no final de sua obra: a passividade, o trauma e o excesso pulsional.

A segunda teoria pulsional vem introduzir a noção de pulsão de morte, trazendo para a teoria psicanalítica a idéia de pulsão sem representação. Essa pulsão pôde ser conceituada após o (re)encontro de Freud com os sonhos traumáticos, a reação terapêutica negativa, a compulsão à repetição, fenômenos que o fizeram conceber um funcionamento psíquico além do princípio de prazer[vii]. Com a emergência do conceito de pulsão de morte, pulsão “demoníaca”, assistimos ao retorno na teoria dessa “sombra do demoníaco” cujos indícios já se insinuavam nos estudos iniciais sobre a histeria. Não estaríamos, ao final da obra freudiana, reencontrando o sexual disruptivo, o traumático, a passividade que teriam ficado, até então, “recalcados”, latentes, na teoria?

A pulsão de morte vai recolocar em questão a dimensão de alteridade, agora como alteridade radical, sinalizando, mais uma vez, a marca – irrepresentável – do estranho no psiquismo, a exemplo do “estranho” que Freud já vislumbrava na clínica com as histéricas, nos primórdios da psicanálise.

2 comentários:

  1. Plagio é crime. Se eu fosse você colocaria o credito a verdadeira pessoa que escreveu o artigo. Roubar seja ideias ou coisas materiais perante Deus é pecado. Então vc esta cometendo um crime e um pecado... melhor tirar essa postagem e se redimir

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    1. OBSERVE BEM A QUEM ESTÁ CREDITADA A MATÉRIA: VANUZA MONTEIRO CAMPOS. OBRIGADO POR LER A MATÉRIA, MAS, SEJA MAIS ATENTA A LEITURA.

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